segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A anunciação

Naqueles dias em que
morriam partes de mim
eu me deitava contra o
lençol poeirento, inundando
minhas vestes com aquilo
que um dia eu iria me tornar.
No anunciar das noites
eu ingeria plantas sativas
escutando músicas que
se dividiam em
múltiplas camadas de
tons definidos e incorrigíveis.
Naqueles dias,
eu amava a mim mesmo,
já que não compreendia,
aquela que um dia ainda viria
a amar.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Abra seus olhos Sr. M


Sonhei que todos
os meus inimigos
estavam comendo ostras
Sonhos são pequenas
loucuras escondidas
Até as lagartas
guardam segredos
Artistas seguram
máscaras diáfanas
Seja bem vindo
ao baile dos sonhadores

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Isso

Isso não é um poema.

Após sua ida,
Sentei em um vaso por uns 30 minutos;
não era dor de barriga
ou qualquer hemorragia intestinal,
eu apenas sentei,
pensei em ti;
em nossa tarde.
Era eu e um imenso rolo higiênico
de idéias, de papéis, de lembranças.

A chuva baça da primavera ainda caia lá fora,
mais forte do que quando eu segurava sua mão;
mas não mais verdadeira que a embriaguês
de seus beijos vermelhos.
Não esqueça.

Isso não é um poema;
mas poderia ser.

Sexta - feira

Desconfie dos dentistas,
de poetas simpáticos
e dos apresentadores de TV.
Hoje não haverá cervejas,
licores ou venenos.
Dias perfeitos só existem
em canções de Lou Reed.
Pés para o alto
calefação entupida,
Sonhos ridículos
de uma noite
de primavera
ainda não anunciada.
Não estou conformado;
o telefone toca,
antes que eu possa acabar
com as migalhas do meu prato.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Rato

A eterna canção do rato

Que morra!
Eu o desprezo,
eu o temo.
Rogo a todos os
deuses para que cessem
os guinchos dantescos
que sobem pelas paredes.
Mas ele não se cala.
O sangue na boca
começa a se tornar
insuportável.
Eu imagino sua
imagem asquerosa
cada vez que seu
canto atroz atinge
meus ouvidos.
Anseio pelo sono
inexistente de ontem.
Não me incomodo
com segredos e soluços,
grito calado e afundo
o travesseiro em um
transe profano.
Mas a bola de pelos
grotesca continua
sorrindo.
Sinto as ondas do amor
gotejando pela minha testa.
A angústia da impaciência
me afoga sem piedade;
tenho medo de acender
a luz, de beber água
e de fechar os olhos.
Compreendo um pouco
agora a desistência
dos quase mortos.
Me alucino com situações
futuras, possíveis, improváveis
e gloriosas.
Em desespero amargo
procuro compreender
todos os porquês.
Todos de uma só vez.
Me apaixono pela minha
própria arrogância.
Céus, preciso dormir!
Ninguém me escuta;
e como poderia,
não existem ouvidos
onde não existe nada.

Alvorecer

A alvorada chega
e me acalma.
Ela remove toneladas
de dor concentrada.
A alvorada é o meu
chá inesperado,
morno,
e com açúcar.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

As medalhas de Diego

Fiz planos inconcretos,
se pelo menos ainda
tivesse a outra metade
de meu pulmão.
Se ao menos o sol
ainda incidisse sobre a terra;
mas de nada adianta prantear
sob nuvens cinzentas.
A terceira grande guerra
me levou tudo;
exeto por um punhado
de carne cansada que
minha alma ainda habita.
Jamais voltarei a caminhar
sobre essa lavoura de corpos.
Sou um anátema confinado
a uma cadeira flutuante.
Um herói de guerra,
que passa horas olhando
para o alto, segurando
medalhas desbotadas
contra o peito.
E espera paciente pelo
último clarão que rasgando
o céu me fará sorrir
uma última vez.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Você que sabe

É só digitar.
mas falta coragem,
os dedos gangrenaram;
tornaram-se tocos
arroxeados de carne morta.
Podemos aproveitar
para alguma coisa;
botar na sopa;
pendurar na parede;
ou coçar a orelha.
Você que sabe querida.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Rugas

Ela já era velha;
mas as tradições natalinas
também são e todo mundo
come panetone ou na pior das
hipóteses aqueles biscoitinhos insossos.
Talvez fosse doentio;
mas eu sentia uma incrível atração
por lamber-lhe as rugas,
apalpar suas estrias
e me apoiar em seus
seios flácidos.
Eu a amava;
apenas por uma noite,
eu amava.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Eu girafa

Ser uma girafa
deve ser interessante.
Elas fornicam o ano todo.
E na estação das chuvas,
fodem ainda mais.
Frutos que fermentam!
Que embriagam!
Que desmancham!
Elas nem percebem
que seus pescoços são
asquerosamente grandes;
que suas línguas são roxas
que o chão que dormem
seja o cemitério ancestral
de seu passado.
Ser uma girafa
deve ser interessante.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Memórias de um andróide ( parte I)

Essa cidade é suja,
fede a ilusão,
e nem falo dos dejetos
imundos acumulados
nas vielas ou do
lixo humano,
que só faz aumentar
a cada ciclo diário
nesse teatro decadente
que saudamos homonimamente
como sociedade.

14 de agosto, 2083

Calinda

Calinda amava
esfregar cebolas nos olhos
enquanto montava
no membro rijo de Horácio.
Ele fingia gostar,
mas não suportava
aquele rito sádico.

E como dizer não
a dona de tão belas
nádegas?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ela (parte XV)

Era provável que medisse
mais de um metro e oitenta.
O contraste de seus óculos escuros
com seu rosto fluorescente
era quase ofensivo;
não menos estranhos eram
os movimentos incomuns
que suas mãos mefistotélicas
descreviam ao som da chuva.

Arranquei mais uma mordida
de meu pastel gorduroso de frango
e emborquei o último gole
da cerveja choca.

Quando me dirigi para a porta
ela baixou os óculos e me
encarou com um certo ar insolente.
Seus olhos eram de um azul cinzento,
Tão cinzento quanto as plumas dos
pombos que nos observavam do
telhado vizinho.

Noite

Gotas mágicas
que atenuam a dor.
Lembranças alegóricas
que masturbam a ansiedade.
O claro e o escuro,
a sujeira e a berinjela,
as costelas se partiram.
O bocejo da lua parece interminável;
nada mais idiota
que o diálogo de um mosquito
com uma orelha surda.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Narrativa póstuma de um homen atacado por um telefone serpente

Debateu-se por toda a parede
de meu esôfago debilitado.
E mesmo que eu não fizesse
a menor idéia de qual seria
a origem do singular sintoma.
Peguei o telefone em mãos;
mas no exato momento que eu ia
discá-lo ele transmutou-se
em uma aterradora serpente.
Num bote rápido e preciso
Suas presas encontraram
minha jugular macia,
e antes mesmo que o
discernimento de qualquer
verossimilhança análoga
me tocasse o crânio,
Minha vida já havia se
esvaído por completo.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Refeição


Devorava com avidez
os orgão cardíacos das
aves que não voam.
Já satisfeito, esfregou
seus lábios contra as costas da mão,
deixando-a completamente
besuntada de gordura animal.
Recostou seu corpo engendrado
para trás provocando estalos
na madeira de mogno carcomida.
Seus olhos se perderam em
qualquer ponto, enquanto
sua boca entreaberta conjurou
um longo arroto gutural expelindo
gases fétidos e fermentados do
interior de seu abdômen abarrotado.
Passou os dez minutos seguintes
refletindo se havia algo
mais saboroso que devorar
uma porção de coração de frango.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

As morças

Os profanos riem
enquanto eu fungo,
as gotas pingam
e emitem mudismos
miasmicos banais.
As morças confabulam
e se proliferam em uma
espantosa multiplicidade.
Ascendi meu charuto de tubérculos
secos que pranteavam em desepero
pelas suas vidas perdidas.
Dialoguei com abelhas ébrias
que não sabiam distinguir
o amarelo do negro;
fui rudemente atacado,
envenenado,
cercado;
mas por um acaso
quase ilário do destino
minha bexiga estava cheia
e eu havia urinado em minhas calças.

Forma escarlate

Naquele singular caso,
Sua não perfeição parecia perfeita.
Flores púrpuras e medíocres,
Caminhos arquitetônicos banais,
E aquela forma capilar escarlate.

Não por qualquer nostalgia etílica,
Mas mas por uma apreensão
Copiosa e pseudo fragmentada
Minhas têmporas transpiraram
Contra minha rude vontade.

Simultâneamente ao momento
Em que eu sentia e tentava
De maneira vã, identificar seu perfume,
Presenciei a morte de uma borboleta.
Suas asas translúcidas pararam
De bater; e numa decadente e
Lenta trajetória seu pequeno corpo
Tocou o chão.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Segunda-Feira

O silêncio cômodo,
Tão aceitável quanto
Os ruídos inaudíveis.
Horas a olhar para
A lúgubre imagem,
Incrustada na fina parede,
Que indiferente da sina me separa.
Os casacos esperam
Taciturnos pelo frio
Que tarda a chegar.
Desejos violentados
E um quadro inacabado.
O humor ácido e a chuva
De uma tarde que parecia
Não terminar.