terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A quase cômica tentativa de suicídio de Henri Duchamp

Após ingerir o veneno em uma
única dose cavalar
pus-me a contemplar as três
aranhas que agonizavam no
recipiente diáfano.
E como se vermes raivosos
lutassem para existir numa tumultuada
convulsão, cai ajoelhado de
forma quase epiléptica.
Minha visão adquiriu um
aspecto turvo, sendo que
os outros sentidos tornaram-se
por sua vez quase inexistentes.
Apesar dos esforços sobre humanos
que eu fazia; respirar tornara-se
uma tarefa impossível.
De súbito uma torpe sensação de
conformismo apossou-se de meu eu,
achei que tudo passaria logo, e que
em pouco tempo eu estaria cruzando
a fronteira do reino da morte.
Mal pude concretizar tal pensamento, pois
fui interrompido por um súbito jato
vomitivo que jorrou de minha boca,
seguido de vários outros cada vez mais
violentos; até que por fim cessaram
e eu pude contemplar todo o veneno
empoçado no tapete a minha frente
junto com suco gástrico e os restos
de meu desjejum.
Resolvi então escutar Pavement e
olhar as nuvens.

O ideal e a pseudo artista acadêmica


Ela me sorriu com
dentes mais alvos que a lua
seu "olá" aparentemente tímido
soava musical e cativante,
apesar do conteúdo de meu
copo não ser nada etílico
um bastante incomum
ímpeto manifestou-se em mim
encerramos o termino das convenções
formais que marcam o início
de qualquer conversa,
convenções essas que para mim
são barreiras de hipocrisia primitiva
erguidas pelo homem com o único
propósito de remediar o irremediável.
O preto não existe, o branco
não é cor, os corvos não sabem cantar,
peixes de aquário não nadam, eles giram
sobre seu próprio eixo, o céu é
vermelho pois o azul é uma coletiva
ilusão, como já repetia o refrão de
uma música ainda não escrita,
o néctar de doce nada tem, ou
na pior das hipóteses, é mais amargo
que veneno.
Odeio o belo, e idealizo a beleza
quem descobrir o significado de tais
palavras, será como alguém que tira
uma faca de meu crânio,
que rompe as barreiras oníricas do
tempo espaço, de tal forma que o ponto
final será um harmonioso sorriso de resposta.
velhas canções tocam em rádios novos,
um quadro espanhol com a figura
de um cachorro me fez umedecer os olhos,
dancei embriagado pelas estepes
enquanto uma sucessão de raios
cortavam os céus de forma
notavelmente assustadora, sonhava,
nesse sonho apareceu a imagem
daquela que não posso ver, mas
que ardentemente quero tocar,
ontem reneguei a utopia, pois de
loucura já basta creio eu, minha própria
existência.
Após tais divagações e delírios
verbais proferidos pela minha boca
esperei ansioso pela reação
da pseudo artista acadêmica
que estagnada como a rocha de
um penhasco marítimo me fitava.

O instrumento vermelho

Ele contemplou o instrumento vermelho
quebrado com uma indiferença
quase peculiar, só para então
levar aos lábios o recipiente vinal.
Levantou, dirigiu-se até a janela
e logo que o luar vermelho penetrou
em seu campo de visão, um vazio
impetuoso, degenerativo, cruel e frívolo
apossou-se de seu espírito já atormentado.
Divagou consigo mesmo naquele
momento que era possível sim
morrer de solidão, acompanhando
seu lúgubre e prosaico pensamento uma
voz aveludada no rádio repetia
um incansável refrão...
Take-me home, Take-me home.

domingo, 27 de dezembro de 2009

A escada, o olhar, e a certeza do nunca saber

Como dois corpos
como duas nuvens
como diferentes ideologias.
Que se chocam de
forma abrasadora e feroz.

Como a verdade e a mentira
como a sobriedade e a embriaguez
como o opaco e o cintilante.
Que se anulam em uma
desconcertante ópera atonal.

Como a decadência e a glória
como dois paradigmas
como o esperma e a saliva.
Amálgamas de um gosto
quase vomitante.

Assim foi o vertiginoso
encontro de nossos olhares
ao entardecer, em plena escada.