domingo, 30 de março de 2014

Sobre as manhãs

passei a detestar aquelas exasperações de humor pela manhã
percebi que sempre eram tão passageiras quanto punhetas ao vento
ali no colchão do alvorecer, entre cabelos alheios e passagens bíblicas distorcidas
eu me refestelava como um gato no sol
temendo as próximas horas
cantando para mim mesmo o hino de minha nação perdida particular
aquela em que eu havia me tornado o único habitante
o único soldado combatente
o único perdido sobrevivente de um holocausto interior
me deixava ir mais tarde até a beira das águas sem ondas de uma praia próxima
sobrevivendo mais um sábado
esperando os restos de arroz da lixeira mais próxima
assim habitei esta terra escarnecida por duzentos anos
esperando
sempre esperando
paraísos são artificiais
a prova irrefutável da miséria e do desespero humano gratuito




;.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Depois de mais de uma hora e meia esperando sentados em silencio na semi-escuridão da rodoviária, nos despedimos na porta de seu ônibus, com um beijo gelado e duas palavras. Ninguém olha para trás. Enquanto caminho ainda sinto minha barba molhada por alguns instantes. Meu ônibus roda por 10 minutos até o centro. Eu, o motorista, o cobrador e uma constipação viscosa entupindo meu nariz.
Sou acompanhado do centro até a porta de minha casa por um vira-lata negro. Vagabundos farejam os seus pares.
Obrigado por tudo e por nada.
Por trás de meus olhos, uma dúzia de cenas do futuro ganham forma. Nenhuma delas parece agradável. Resta ainda um sentimento de ligação gratuita e mínima cumplicidade, seria melhor o ódio do que algo tão medíocre. Meu nariz explode em catarro a três quadras do meu apartamento. A última imagem que tenho da rua é a cara do meu novo e ex-amigo canino me encarando na calçada. A última coisa que leio antes de me enrolar suado e com frio sob meus lençóis é uma mensagem no celular.
“Foi a pior e mais triste despedida que já tive na vida”.