quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Goiânia é uma cidade cinza
há uma praça redonda
com cara de filmes de Hong Sang-soo
há cheiro de ar condicionado
e espaço para sentir a sua ausência
ela se faz em momentos perspicazes dolorosos
sua ausência é um pequeno objeto doloroso
um membro fantasma que arde
que coabita meu pequeno mundo que se move
amanhã é sexta feira
sexta feira

sexta feira


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aqui
restam as imagens
hotéis vazios são como uma paulada nos ovos
me pergunto se já amei algo
abacaxi curtido na canha
cevas caras de frigobar
eu queria mesmo é um tirão na mente
bem dado
quem me ama vai entender
ela não deu noticias
ela não entendeu nada
mãe eu amo ela
mãe eu não sabia
que doía as vezes
que a noite era fria
vez ou outra simplesmente era
te encontro aqui
no incolor fundo de minha amada Popokelvis


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O homem na avalanche se segurando nos galhos
Ele se fode e lembra da vida
Dos momentos plúmbeos
Daquilo que deixou de dizer
O homem na avalanche esfrega sua alma contra as rochas e a neve
Ele sangra sem culpa
E desliza por algum meio
O homem na avalanche fica cego
Machuca a si mesmo e percebe sua insignificância
Sua impotência diante do desconhecido
O homem na avalanche não consegue gritar
Ele não chora
Ele apenas ouve o chamado turbulento
Daquilo que saudamos como fim.


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hoje eu chorei num ônibus

perdido e inundado pela luz plástica
no rescaldo dos tempos
na pós esbornia químio sexual de Moraes
eu esfacelei atônito
o contrapeso dos fatos
o presságio dos ídolos acéfalos
hoje chorei num ônibus pois me senti congestionado pela vida
e grato por seu amigo do Everton Luiz Cidade o maior poeta vivo que conheço
senti fome
calor trópico cancerígena avinagrado
uma menina de 9 anos achou uma moeda de 1 real ao meu lado
me olhou e riu
hoje chorei num ônibus
pois a ressaca irmã bastarda do tédio me abraçou suave com seus braços modorrentos e me falou  ao pé do ouvido
aquilo que eu precisava pra me fazer sentir melhor



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Coração estupendo

eu e o coração estupendo fomos passear na praça
coração estupendo me contou várias histórias
odiei coração estupendo
nunca mais sairei com coração estupendo
fim.


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terça-feira, 19 de julho de 2016

Devemos:
habitar o sono
sonhar com gatos
com erros de paternidade
dormir tarde
na frequência dos pássaros primeiros,
cruéis e irredutíveis
como as apologias de nosso tempo


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quinta-feira, 9 de junho de 2016

adoro ser iludido
tem gosto de chocolate
de punheta habilidosa
de prazer procrastinado
a gente pega uma garrafa de old ville
e senta ali na escada na frente da porta
quem nem adolescente hedonista de 16
esse frio do caralho te fode
bem devagar
nesse 8 de junho
de forma bonita
é quase amor



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Chanchadas de inverno em fuga


eu só preciso sair dessa cidade
onde tudo me deixa doente
amar um pouco
fertilizar esse valezinho de bosta
pra cair nos seus braços bem feitos
pra girar o plano e despencar pesado
um garoto fugiu do quarto pra tomar sorvete no inverno
sozinho
de touca
de mão no bolso
num dia bonito quando as roupas não secam no arame
caminhar coloca no lugar
aquelas coisas que fervem como chá bêbado metástase
o amor acabou
levantou a saia e expeliu seus restos
em minha companhia maior diletante sindicato dos ácaros
sem plumas
me repetindo na lama
de repente me reencontro ali embaixo dos casacos mofo saudade
aprendo a lidar
com a longa ausência da luz


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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

floração




depois de uma zona de animosidades aflitivas
de temporadas temperadas com mostarda e sensibilidade
decidi voltar ao caule de minha minha flor
voltei a ser um pornógrafo
a testemunhar cada reflexo do fractal da vida como um ato obsceno
uma carga voluptiva prestes a eclodir num jato espasmódico 

de fluidos sexuais a trezentos e vinte oito graus
leio sob a tutela de sussurros a profecia entre as pernas
e talvez por hora só me reste proferir
o gemido/canto desafinado dos bodes
***
chegado o momento fantasiado
as chagas se tornam dor e o papel manteiga vira celulose
com a postura e a virtude cobertas por um manto de certeza indolor ao fim da tarde
ele trafega sob o sol e a noite
impercepto
angustioso
palpável a sua própria indolência incurável

expandem os frutos
as consequências
as viroses
as vicissitudes
ao vácuo que nos restam as florações
todas irmãs doentes do sebo e da cevada da horta
***
ao fim do equinócio expulsaremos a umidade com movimentos bruscos
com atos solares
e o indesejo tácito de encarar um novo ciclo




*
Depois de uma poça de depressão
Escorrendo no sofá amarelo diante de minha incapacidade
E de eu abrir uma schin morna da geladeira
Ela subiu em mim
Veio por cima e sentou aquela boceta cinza lycra colada
Cheirando a perfume lavanda e suor safado pós balé
Cantarolou uma parvoíce em inglês que rolava no youtube
Meu pau duro no samba canção azul
A camisa de botão que minha mãe me deu aberta
Eu e meu umbigo inchado de cerveja apontando para o céu





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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Flash back na aurora após sonhar com a juventude que se esvai


A gente só precisava de um show, um show com meia dúzia de cabeludos chapados em transe anacrônico para inflar nossos egos entediados. Caminhávamos à passo decidido, segurando uma pet dois litros municiada de Sprite e cachaça morna. De Mello fumava um Classic atrás do outro. Garcia carregava uma mochila vermelha que desaparecia em suas largascostas contendo nosso chorume santo. Eu seguia atrás, o mais jovem e mais convicto iludido da matilha.
Atalhamos pela moca, atravessamos  a névoa de cannabis e cumprimentamos civilizadamente desconhecidos de olhos em chamas. Adentramos no trilho de trigo triste, nos abaixamos na cerca e fomos atingidos no flanco esquerdo pelo laranja incandescente do fim de tarde. O copo de plástico deslizando de mão em mão cumpria o seu destino-efeito.
Depois da árvore torta, veio a curva e a pulada no segundo arame, avistamos o boteco vulgo pub da colina. Uma espelunca caída, mas era o que restava naquela cidade cor de mijo; a gente só precisava de um show, para provar que estávamos vivos e podíamos fazer barulho.


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